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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

  A essa altura, minha mente explodia. A noticia caíra como uma bomba atômica em minha mente. Ana também cometera um atentado à própria vida. Ateara fogo a sua cama e esperava que o fogo a consumisse. Fora resgatada ainda com vida. Moramos em uma cidade muito pequena e não temos UTI própria. Ana fora levada à cidade mais próxima com um hospital descente.
  Jonas chegara desesperado, com o rosto molhado pelas lágrimas. Pedia-nos ajuda. Precisava ver Ana. Nenhum de nós com idade suficiente para dirigir e nossos pais indisponíveis por razões diversas. Nossos olhares se cruzaram por um instante e nossas mentes se ligaram. Era insanidade, mas fora o que mais rápido nos surgira.
  Quando me dera por mim, estávamos no interior de um carro em direção ao hospital onde Ana estava. A estrada repleta de curvas dificultava a agilidade. A maior parte do tempo deserta.

  Não tínhamos noticias sobre o estado de Ana e isso era o pior. Jonas acelerava como se a própria vida dependesse da velocidade do carro. Sabíamos que em alguns minutos alcançaríamos a cidade, mas esse pensamento não ajudava. 
  Placas passavam cegas por nós. O automóvel fora acelerado mais uma vez e um arrepio em minha nuca acontecera. Estava tudo perdido. Já entendia tudo. Olhara Jonas ao meu lado e seu semblante era ilegível. Seus olhos eram brancos e sua face muito pálida. Exibia uma expressão vazia. Já morto por dentro. Apertara o cinto quando avistara uma ponte à frente. Os braços de Jonas se torceram e senti meu corpo sendo levado. A pancada viera e o carro começara a encher. Meus pés molhados se debatiam. Os vidros abertos deram-me esperança. 
  Os outros desacordados. Soltara-me do cinto de segurança e agora a água entrava com força pelas janelas abertas. O carro afundava rapidamente e a cada milésimo mais água passava por mim. Pulei ao banco de trás tentando soltar Jorge, mas ele estava preso.
  Submerso.
  Meu fôlego se esgotava. Precisava sair dali. Não podia nem pensar. Virara-me para escapar pela janela quando uma imagem me chamara atenção do lado de fora. Uma marca d’água no para-brisa submerso. Um homem vestindo um terno escuro e rasgado tinha aparência jovial, mas com um semblante cansado. Encarara-o sem ar. Ele sangrava na água. Estático por um momento. Logo viera em minha direção como se nada o impedisse. Como se não houvesse nada além do vácuo entre nós. O pouco ar guardado em meus pulmões escapara, convertendo-se em bolhas quando uma tentativa inútil de gritar me acontecera. A imagem cansada da aparição era zangada. Furiosa.

  O carro já não estava lá. Um jardim agora me cercava. Via tudo por cima. Ampla e claramente. O mesmo homem que acabara de ver agora pairava sobre uma garota. Desacordada, tinha os membros superiores amarrados para trás. O homem agora amarrava uma corda em volta do pescoço da adolescente. Logo, estava de braços soltos, pendurada pelo pescoço em um alto galho de uma das árvores.
  O jardim sumira. 
  Um garoto redondo sentado em uma praça ao anoitecer agora me encarava. Ninguém em volta. O mesmo homem, usando luvas negras, chegara por trás e um pano encharcado colocara em sua face. O garoto desmontara. O homem segurara o garoto e o arrastara por entre alguns arbustos. Escondidos, o adulto sacara um revólver prateado e disparara contra a têmpora do garoto. A arma fora posta entre seus dedos.
  Mais uma vez o cenário mudara. Uma noite chuvosa. 
  O homem de terno passara correndo por um beco e parara defronte a um muro. Fim de linha. Encharcado, virara e encarara uma mulher loira. Seus longos cabelos encaracolados caídos sobre o rosto pálido por vezes iluminado por relâmpagos. Um revolver em suas mãos faz o homem se desesperar. Um som ensurdecedor acontece e a figura masculina cai na lama. 
  A chuva cessara e agora me encontrava em um quarto. Roupas e livros espalhados pelo chão. A garota entrara segurando uma garrafa cheia de um líquido escuro. Abrira calmamente a garrafa e tomou um gole. Fora até o guarda-roupa e apanhara uma caixinha. Tirara de lá duas cartelas de comprimidos. Retirara todos os comprimidos, engolira um por um e logo após, a garrafa toda fora esvaziada goela abaixo. Deitara na cama e cobrira a si mesma. De Tamara, um homem de terno levantara. Como se ele pertencesse a ela. Seus olhos brancos me encararam por um instante. A fúria novamente tomara conta da imagem e seu semblante irado gritara para mim. Um grito de raiva e ainda sim piedoso. Viera em minha direção e tudo era um breu.

  Quando acordara, meu rosto se encontrava sobre a lama. Metade do corpo dentro da água. Levantara-me. Estava perdido. Começara a mancar rumando o horizonte. 
  Após caminhar por muito tempo, avistara casas em meio ao mato. Chamara alguém, mas ninguém viera. O único som desencadeado pela gritaria fora de cachorros latindo pela atividade anormal. Por um momento hesitara, mas logo estava pulando a cerca e adentrando as dependências da casa. Entrara por uma janela desprotegida e começara a escrever.

  A você que lê, saiba que cheguei aqui com muito esforço e não pretendo ceder a qualquer coisa que caíra sobre nós naquela noite. Por mais vontade que tenho de desistir e me entregar, sairei vitorioso por Tamara, por Jo...

As escritas acabaram por aqui.


Agradecimentos

Texto escrito por: João Marques 
Ilustrações: George Adorno 

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